Wednesday, May 13, 2009

Câmara de Cascais garantiu direitos a um construtor num terreno municipal

In Público (13/5/2009)
Clara Viana


«Terreno doado ao município foi vendido a uma construtora pelos particulares que fizeram a doação. Ministério Público diz que a autarquia beneficiou a empresa ao licenciar obra no local



O facto de o Estado e as autarquias não conhecerem com rigor o seu património, ou alegarem desconhecê-lo, já fez várias vezes com que a propriedade de bens públicos acabasse nas mãos de privados. Em Cascais terá acontecido algo ainda mais grave. Devido a uma situação desse género, o Ministério Público interpôs em 2005 uma acção contra o município local. A autarquia não contestou. O processo, que está a correr no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, deverá conhecer um desfecho em breve.

Perto da estação da CP de São João do Estoril, na urbanização da Quinta da Carreira, há um logradouro entre prédios que tem um antigo tanque de rega e um dragoeiro, classificado como de interesse público. Em 1967, através de uma escritura pública, essa parcela foi doada à câmara para ser integrado no domínio público municipal, o que deveria ter acontecido logo após a conclusão dos prédios que a rodeiam. Mas, algumas décadas depois, foi a construtora Pimenta & Rendeiro que se apresentou como proprietária, na sequência de uma transacção que efectuou com os antigos donos, os mesmos que efectuaram a doação (ver caixa).
Em 2001, a empresa conseguiu que a câmara licenciasse para ali um conjunto de edifícios, e depois, que lhe garantisse, num local próximo, direitos de construção para a compensar das áreas que não podia construir - embora por razões que não tiveram em conta o facto de, afinal, o espaço ser municipal. No processo, que o PÚBLICO consultou em tribunal, o procurador Fernando Gomes, autor da acção contra a autarquia, sustenta que tudo isto aconteceu tendo a Câmara de Cascais na sua posse os documentos que comprovam que tanto aquele terreno como os dos outros logradouros da urbanização pertenciam ao domínio público municipal.
Para a zona está a ser elaborado, há anos, um plano de pormenor, cujos termos de referência foram negociados com a Associação de Moradores da Quinta da Carreira. No centro destas negociações figurava a área de nova construção que seria autorizada naquele logradouro e num local próximo. Dos 50 mil metros quadrados pretendidos pela P&R passou-se, no plano de pormenor, para 19.500. Mas para este cálculo foram contabilizados os direitos de construir 10 mil metros quadrados alegadamente adquiridos pela empresa com o licenciamento aprovado para a zona do tanque pelo então presidente José Luís Judas, no dia seguinte a ter perdido as autárquicas de 2001.
Este licenciamento foi depois declarado nulo pelo social-democrata António Capucho. O conjunto de qua-
tro prédios, com sete pisos cada e um total de 50 fogos aprovados para o logradouro (10 mil m2) não respeitava nem o Plano Director Municipal, nem o alvará de loteamento original, já que autorizava construção para locais que este consagrou como non edificandi. Caso o tribunal decida a favor da posição do Ministério Público e anule o acto administrativo que deu origem ao licenciamento de 2001, a possibilidade de construir os 19.500 m2 no outro terreno da empresa poderá também ser posta em causa, uma vez que às "ilegalidades" já apontadas, e que são evocadas de novo pelo MP, se junta agora a questão da propriedade do terreno à conta do qual foi contabilizado o direito de construir 10 mil m2. José Casquilho, que era presidente da associação de moradores aquando das negociações do plano de pormenor, lembra que os limites para a construção autorizados pelo plano foram negociados de modo a "obstar à indemnização" do promotor pela câmara. Agora que se sabe que o terreno afinal é público, Casquilho defende que ou se retira ao máximo negociado a área que primeiro foi autorizada para a zona do tanque (os tais 10 mil m2) ou a câmara expropria os terrenos que ali ainda pertencem à empresa, integrando tudo no domínio público municipal em benefício de mais espaços verdes e equipamentos. "Era a melhor solução para salvar a face de câmara", argumenta.
O vice-presidente da câmara, Carlos Carreiras, diz que a autarquia espera uma decisão do tribunal e acrescenta: "Só muito recentemente se soube da existência desta acção cujo conteúdo era desconhecido por completo à data da negociação do plano de pormenor com a associação de moradores". A empresa não respondeu às perguntas do PÚBLICO.»

1 comment:

Carlos Guimarães said...

Felicite-se o Sr. Procurador Fernando Gomes pela autoria desta acção.

Ficaremos a aguardar a decisão do Tribunal, que se fôr favorável, terá naturalmente grandes implicações quanto ao futuro dos terrenos em questão.

Carlos Guimarães
(Presidente da Direcção da AMQC - Associação de Moradores da Quinta da Carreira)