Cascais é o terceiro concelho mais violento
no jornal Sol, 29 de Abril, 2012
Amílcar Matos aprendeu a nunca virar as costas aos clientes. Com uma ourivesaria aberta há 42 anos na Baixa de Cascais, o empresário garante que os tempos nunca foram tão maus para o negócio.
«Todos os dias temos uma tentativa de furto ao balcão. O cliente, que na verdade é ladrão, pede para ver fios e anéis, depois pede mais um anel só para nos distrair e desviar alguma peça. Já me levaram algumas», conta ao SOL, mirando quem passa na rua. «Não há pobreza em Cascais? Olhe à sua volta... Os mendigos não são poucos, até estrangeiros».
Ele e os outros comerciantes do centro histórico de Cascais têm a vantagem de ter por perto um agente da PSP que foi contratado para vigiar uma outra ourivesaria ali ao lado, que foi assaltada há alguns anos. «Aqui vamos estando protegidos», desabafa.
Essa sorte faltou ao gerente do Hotel Eden, no Estoril, onde já este ano, em Janeiro, um encapuzado entrou de caçadeira em punho, ameaçou e trancou a funcionária da tabacaria numa arrecadação, fugindo com todos os maços de tabaco que estavam no expositor, no valor de 250 euros. Pouco passava das sete da tarde. Todos os clientes ficaram sem reacção.
O quinto maior concelho
Naquele que é o quinto maior concelho do país, com 206 mil habitantes, as autoridades registaram no ano passado um total de 8.733 ocorrências – uma média de 24 assaltos por dia. No total, foram mais 66 do que em 2010, contrariando uma tendência de quebra que se vinha consolidando desde 2008 (entre 2009 e 2010, a descida foi de 15,5%).
Olhando para o distrito de Lisboa, onde a criminalidade geral também está em descida desde 2008, as estatísticas não deixam margem para dúvidas: ultrapassado apenas por Lisboa e Sintra, Cascais é já o terceiro concelho do distrito com maior número de crimes, à frente de Amadora, Loures e Oeiras.
«A conjuntura económica trouxe ao país outra realidade e Cascais não é excepção» – diz Armando Correia, presidente da Associação Empresarial do concelho, admitindo preocupação com a vaga de assaltos a estabelecimentos – no ano passado, as autoridades registaram 310 casos, mais 100 do que em 2010.
«Os cafés e restaurantes são um elo frágil, por causa do horário de funcionamento. Ainda há pouco tempo foi assaltado o novo McDonald’s que abriu em São Domingos de Rana. Fechava às 4 da manhã e agora encerra à meia-noite», diz Armando Correia.
Furtos em supermercados triplicaram
Só os furtos em supermercados mais do que triplicaram entre 2009 e 2011, passando de 29 para 91 casos. «Os relatórios que as grandes superfícies comerciais enviam mostram que as pessoas furtam cada vez mais alimentos: pacotes de arroz, massa, azeite... enquanto no passado recente levavam sobretudo pilhas e perfumes», nota o representante dos empresários.
Mas os supermercados são por si só um chamariz para os criminosos que procuram simplesmente dinheiro fácil. Em Março, uma empregada de um mini-mercado na Parede não teve outra alternativa senão entregar os 120 euros que tinha na caixa, quando um homem, de máscara e luvas, entrou pelo estabelecimento e lhe apontou uma arma à cabeça.
Num território que concentra algumas das zonas residenciais mais luxuosas do país, os crimes contra a propriedade também se agravaram, incluindo alguns dos que causam maior sentimento de insegurança – caso dos furtos por carteiristas (mais 10 ilícitos), roubos por esticão (mais 18) e roubos na via pública (mais 42). Há também mais assaltos a residências: no ano passado, a polícia contabilizou 578 queixas contra 462 em 2010. A esmagadora maioria dos crimes, porém, são furtos no interior de veículos (ver infografia).
«Andar em Cascais à noite pode ser arriscado. Ainda há ruas muito mal iluminadas», diz Rui Carvalho, comerciante de 56 anos na Baixa de Cascais, que já não tem conta às tentativas de furto no interior da sua tabacaria: «Temos de ter quatro olhos sempre abertos».
Cego assaltado e sequestrado
Mas o pior pode acontecer em plena luz do dia. Em Janeiro deste ano, pela hora de almoço, um idoso de 80 anos, invisual, teve um inesperado dissabor. Caminhava na avenida do Ultramar, em Cascais, quando três homens o abordaram, encostaram-lhe uma arma de fogo ao corpo e obrigaram-no a entrar num carro.
Um deles tinha sotaque brasileiro. Circularam alguns minutos até que pararam num local ermo. Depois de o revistarem, tiraram-lhe a carteira, onde tinha os documentos e 160 euros em notas, e abandonaram-no na rua.
«A grande diferença que se nota é que muitos crimes passaram a ser cometidos durante o dia», sublinha Jorge Marques, guarda-nocturno há 16 anos na freguesia da Parede. «São sobretudo assaltos a residências, mas também a bancos, ourivesarias e lojas de compra e venda de ouro», conta o vigilante, recordando um assalto inédito que causou o pânico na freguesia, em Novembro passado.
Três encapuzados, com uma arma e martelos, invadiram uma ourivesaria na artéria mais movimentada da Parede, mas o dono da loja reagiu com oito tiros, o que afugentou os delinquentes. Durante o tiroteio, uma bala atingiu o talho da rua em frente e outra ficou cravada no vidro de um carro que estava estacionado.
Presidente da Câmara culpa violência doméstica
Não menos prodigioso foi o assalto, também na Parede, a um banco no ano passado. O roubo aconteceu durante o dia e foi praticado por uma jovem mulher que já tinha assaltado outro estabelecimento de crédito em Cascais. Em 2011, foram roubados 10 bancos neste concelho, mais sete do que em 2010. Nas estações dos CTT houve seis assaltos no último ano – o valor mais alto de sempre no concelho. E, no mesmo período, cinco farmácias foram saqueadas.
«Não podemos isolar os dados de um ano apenas. A criminalidade deve ser olhada em contínuo», disse ao SOL Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais.
Lembrando que o concelho é o quinto mais populoso do país, «com visitas de mais de um milhão de cidadãos, nacionais e estrangeiros, todos os anos», o autarca defende que «Cascais é um território seguro». Carlos Carreiras admite que, após dois anos de queda sucessiva, a criminalidade subiu em 2011 mas atribui o facto «essencialmente ao grande aumento do número de participações de crimes de violência doméstica (mais 160%, contra menores)».
«Sendo, naturalmente, uma causa de preocupação, este número prova que temos sido bem-sucedidos no trabalho de combate à violência doméstica», sublinha o social-democrata, atribuindo o aumento de queixas ao trabalho desenvolvido pelas associações, que encorajam as vítimas a denunciar os agressores.
Junta e Câmara oferecem carros à PSP
O autarca garante que a segurança é, neste momento, um «imperativo estratégico». Em Março deste ano, no âmbito da primeira parceria público-pública em todo o país intitulada ‘Parcerias para a Segurança – uma visão de futuro’, a autarquia ofereceu material informático e também viaturas aos agentes da Divisão de Cascais.
Ao SOL, Carreiras adiantou ainda que a autarquia está a realizar um estudo para encontrar «métodos inovadores de combate à insegurança e à criminalidade nas cidades, como aqueles que Rudolph Giuliani (político americano que defendia ‘tolerância zero’ contra os criminosos) aplicou de forma bem-sucedida nos anos 90».
Embora considere que o sentimento de segurança não foi abalado, o presidente da Junta de Freguesia tomou a mesma medida, atribuindo um carro à esquadra da PSP de Cascais. «Entendemos isto como um investimento, a bem de toda a comunidade», disse ao SOL Pedro Morais Soares, presidente da Junta, esclarecendo que a nova viatura servirá exclusivamente para «reforçar o policiamento a residências e comerciantes».
6 comments:
E esqueceram-se de referir os fantásticos assaltos a restaurantes, com os cliente dentro, nomeadamente na N.Sra da Guia ou Guincho.
A minha mãe foi assaltada com recurso a uma droga tipo escopolamina às 15h da tarde no centro de Cascais (Cascais Villa). A polícia nada fez e a investigação não resultou em nada. O hospital recusou-se a fazer uma análise de sangue. O banco onde se consumiu o assalto (CGD no centro) tinha as câmaras desligadas.
Várias outras pessoas em Cascais foram assaltadas com esta droga, que é retirada de uma planta da Amazónia, que pode causar a morte ou problemas de coração (a minha mãe nunca recuperou).
Então, mas afinal o assalto foi no Cascais Villa ou na CGD?
Caro MinelVP:
Tenho muita pena que a Senhora sua Mãe tenha sido assaltada e tenha ficado com problemas de saúde. Contudo, há dois pontos pouco claros no seu comentário:
1. Como o Leitor Gonçalo acima expôs, não fica claro se o assalto foi no Cascais Villa ou na CGD... É que a CGD fica no edifício do antigo cinema S. José, a 200 metros do Cascais Villa. De qualquer maneira, às 15h há por ambos os sítios muita gente, e um assalto aí é de uma grande audácia...
2. A droga utilizada de certo que não terá sido a escopolamina, pois esta só em doses elevadas - e injectada - é que poderá provocar efeitos toxicológicos graves. É o principal princípio activo do vulgar analgésico Buscopan.
Têm aparecido muitos e-mails do Brasil, da Argentina e de outros países sul-americanos a tentarem criar pânico, lançando mitos absurdos sobre esta droga. Por favor não acredite nesses disparates.
A sua Mãe poderá ter sido talvez picada com alguma das drogas que a antiga KGB usava para atacar agentes estrangeiros (a «picada do guarda-chuva»), e que as máfias de leste usam ainda. Mas são drogas sintéticas, que nada têm a ver com a escopolamina.
Na verdade, moro em Cascais há bastantes anos, e a não ser em certas freguesias limítrofes que todos bem conhecemos, sinto que o Concelho é bem mais seguro do que qualquer zona de Lisboa, por exemplo. É claro que há assaltos, e estes estão em escalada, mas nada que se compare com Lisboa, Cacém, Amadora ou os Concelhos da Margem Sul.
As melhoras de sua Mãe. E repito: não foi de certeza a escopolamina... Os assaltos com essa droga seriam muito ineficazes... A não ser que os assaltantes esperassem largos minutos para que a droga - injectada - fizesse efeito...
Entretanto, mais uma nomeação.
Sem analgésico e com efeito retroactivo.
http://dre.pt/pdf2sdip/2012/04/084000000/1521815218.pdf
Obrigado ao Carlos Portugal pelo esclarecimento e o alerta contra o alarmismo.
JFragoso
Aqui vão umas imagens do que pretendem (BPI) fazer ao Cruzeiro:
http://portugalidade.blogspot.pt/2012/03/em-memoria-do-cruzeiro-e-do-monte.html
Não deixa de ser curioso o facto de o presidente da Câmara q é sempre tão solicito a informar-nos do que anda a fazer, neste caso esteja tão caladinho.
JFragoso
De nada, JFragoso... Achei que se impunha... Andam a circular também e-mails com uma história semelhante, só que na «Praça Espanha» e na «Rua Soriano»... Fearmongering...
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