Monday, November 24, 2008

Soneto da Fidelidade


Muito obrigado à Agenda Cultural da CMC por me ter informado da composição do Soneto da Fidelidade de Vinicius por alturas da sua passagem pelo Estoril, em 1939, facto que desconhecia. Acontece, porém, que há um equívoco que gostava de ver esclarecido: no último verso da primeira quadra, sempre o escutei 'dele se encante mais meu pensamento' e não, como aparece no texto da agenda cultural, 'dele se engane mais meu pensamento'. Será que Vinicius escreveu dois versos diferentes? Alguém esclarece?

4 comments:

Paulo Adrião said...

Gralha da Câmara...
Para quem aprecia este poeta maior uma boa dica é o site oficial http://www.viniciusdemoraes.com.br/
Delicoso para quem quer "perder-se" nos encantos da poesia do Mestre.
Lá pode-se consultar todos os textos em prosa e verso do Poeta, música, cinema, etc. Também é possível criar a sua própria "Antologia" selecionando e guardando as poesias e os textos que mais gosta :)

Percam-se :)

Abraços
Paulo
Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Estoril - Portugal, 10.1939

Paulo Adrião said...
This comment has been removed by the author.
Paulo Adrião said...

O Poeta também escreveu este texto sobre Portugal :

" Obrigado, Portugal!

A gentileza humana parece ter feito seu último reduto em Portugal. E quando eu falo em gentileza, dou-lhe quase a acepção medieval de amor cortês, de medida, de mesura. É um povo que não levanta a voz, e ninguém pense que por covardia, mas por uma boa educação instintiva e um senso de afetividade. Essa desagradável invenção moderna, o berro, não encontra forma vocal na garganta de um português. Hitler, Mussolini ou Lyndon Johnson jamais poderiam governar esse "jardim d’Europa à beira-mar plantado", onde se fala baixo, ama-se com fervor e chora-se nas despedidas.
Essa tristeza, de que nós brasileiros somos os novos legatários, tem uma ancestralidade que vem de muitas dominações, muita submissão forçada, muito fatalismo histórico e geográfico. Povo afeito às guerras – ainda hoje as mantém no Ultramar – parece ele sofrer de um silencioso heroísmo na paz, como se a Desgraça, essa invisível espada de Dâmocles lenta e diariamente forjada pelo Destino, pudesse a qualquer momento cair-lhe sobre a cabeça. Quase humilde no trato pessoal, logo verificará quem o conhecer melhor que não se trata de servilismo, e sim de uma necessidade de não fazer vibrar além do necessário os frágeis fios que suspendem imanentemente os Maus Fados sobre sua existência. E é talvez por esse motivo que seus bons fados também são tristes, sempre a carpir as penas do viver e do amar.
Isto é tão mais curioso quanto, apesar de pobre e subdesenvolvido em sua grande maioria, o português é um povo saudável e de bom aspecto, com boa pele e dentes magníficos, bem certo fruto de uma alimentação mais adequada: nada como o brasileiro menos aquinhoado das regiões pobres do país, no geral malsão e banguela, além de irônico e desconfiado por mecanismo de descrença e autodefesa. A propalada "burrice" do português simples e iletrado nada mais é que uma forma sadia e vegetativa de ser (ou não ser, como queiram). Foi minha mulher quem matou a charada: "Eles não são burros", disse-me ela. "Eles apenas desconhecem que têm inteligência." E a decantada "esperteza" ou "inventiva" do pária brasileiro nada mais é que o antivírus da forma crônica da ignorância e indigência em que vive, tendo que se virar mesmo de fato para não juntar os calcanhares. O pária brasileiro tem que lutar não só contra os indesejáveis cromossomos da desnutrição; a dor de dentes endêmica e a cachaça de má qualidade, até um tipo de ensino – e isso quando é muito afortunado – em que lhe baralham a cabeça com uma língua cheia de preconceitos semânticos e acentos desnecessários – isso porque há decênios os cartolas da lingüística nas duas pátrias teimam em não simplificá-la, quem sabe para justificar a continuidade de seus jetons e sua dolce vita acadêmica.
Eu confesso que depois desta minha última viagem, e de um contato intermitente de três meses com sua gente, Portugal seria o único país da Europa onde eu poderia viver fora do Brasil: com eventuais incursões à Itália. Que adiantam o superdesenvolvimento e a kultura (assim mesmo com k) de um povo, como dois ou três que eu conheço, se neles a relação humana torna-se cada dia mais difícil e indesejável diante de um outro tipo de ignorância bem mais perigoso a longo prazo, como esse da reserva e falta de diálogo; da submissão a preconceitos econômicos falsos na verdadeira escala de valores; do aburguesamento progressivo e da mesmificação do mais pessoal dos meios de comunicação, que é a linguagem? Que qualidade é mais a prezar no ser humano, se não for a gentileza, o gosto de conviver, a boa vontade em cooperar, em socorrer, em dar-se um pouco em tudo o que se faz, desde trabalhar a amar, desde comer a cantar, desde criar no plano intelectual a fazer no plano industrial ou agrícola?
Obrigado, Portugal! No contato de tuas gentes, teus escritores e teus artistas, teus estudantes e teus simples – teu povinho das brancas aldeias! – eu senti que há ainda muito isso que cada dia mais falta ao mundo: carinho e sinceridade. Represados, talvez, nas latentes como o sangue sob a pele, e prontos a romper a crosta criada a duras penas, ao longo de um passado tão cheio de sacrifícios e infortúnios.
Obrigado, Lisboa, terra tão boa, gente tão gente, casas tão casas, amigos tão como já não se encontra. Obrigado, Coimbra que me recebeste em tua Academia e em teu Convívio e que me puseste uma velha capa sobre os ombros. Obrigado, Porto, onde teus estudantes quiseram não me deixar trabalhar em boate, porque não sabem ainda que a poesia e a canção têm de estar em toda parte (mas obrigado pelo gesto, estudantes do Porto!). Obrigado, Óbidos, que pareces feita no céu, tão linda e pura como uma avozinha menina que ainda usasse flores silvestres na cabeça. Obrigado, Évora, mãe alentejana de Ouro Preto, cidade onde mais que nenhuma outra se sente o Brasil colonial, o Brasil do Aleijadinho, cidade perfeita de gentil austeridade. Obrigado, Monserraz, que, esta não quero ver nunca mais porque se a ela voltar nela hei de ficar, entre seus muros brancos e seus homens e mulheres do mais franco olhar. Obrigado,Portugal. Resta sempre uma esperança. Eu voltarei."
Vinicius de Moraes

Anonymous said...

Depois de ler a "pauta" politiqueira com a estatistica das licenças de construção emitidas pelo grande maestro A. Capucho, nada melhor do que um texto sério e sensivel do mestre Vinicius.

Obrigado ao Paulo Adrião