“Não digo que não há perigo de a praia desaparecer”, ressalva o investigador. No entanto, explica, o substrato rochoso da praia de Carcavelos não pode ser fonte de sedimentos, pelo que não há risco de a urbanização prevista para aquela zona interferir com o areal.
Wednesday, April 02, 2014
Urbanização em Carcavelos sem impactos no surf e na praia, diz estudo
Investigador do
Instituto Superior Técnico estudou impacto do polémico projecto no vento que
cria os "tubos perfeitos" para o surf e no areal. Câmara de Cascais
aceitou reduzir o número de fogos previsto no projecto e eliminar os
condomínios fechados.
Por Marisa Soares,
Público de 2 Abril 2014
Câmara aceitou retirar do projecto os condomínios fechados e diminuir de sete para seis o número de pisos em três prédios junto à marginal
Segundo dois estudos encomendados pela Câmara de Cascais, a
construção de uma mega-urbanização na Quinta dos Ingleses, junto à praia de
Carcavelos, não altera o vento que sopra em direcção à praia e por isso não
prejudica a prática do surf. O projecto polémico, cujo relatório da discussão
pública vai ser votado na Câmara de Cascais na próxima segunda-feira, não
contribui para a erosão da praia, lê-se nos documentos. Esta é a resposta da
autarquia às questões levantadas por moradores e surfistas. Porém, a resposta
não convence totalmente.
O
Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de Carcavelos Sul
(PPERUCS) abrange uma área de 54 hectares e inclui a construção de uma
urbanização prevista desde os anos 60, sobre a qual os proprietários, a imobiliária
Alves Ribeiro e a St. Julian’s School Association, terão adquirido direitos de
construção inalienáveis. Se o projecto não avançar, os promotores exigem à câmara uma indemnização de 264milhões de euros.
Durante o período de discussão pública, que terminou a 17 de
Fevereiro, a autarquia recebeu 91 contributos e aceitou algumas das alterações
propostas: a urbanização não pode incluir condomínios fechados e três dos
prédios mais próximos da Avenida Marginal terão seis e não sete pisos,
retirando cerca de 30 fogos aos 939 previstos.
Para esclarecer as dúvidas “levantadas com grande alarmismo” por
moradores e surfistas, como referiu recentemente o presidente da câmara, Carlos
Carreiras (PSD), na sua página de Facebook, o autarca decidiu pedir dois
estudos independentes. Os documentos serão divulgados nesta quarta-feira na
página do município e num encontro organizado pelo Movimento Viva Cascais, às
21h, onde o plano de pormenor vai estar em discussão.
Nos estudos, o investigador Ramiro Neves, do Instituto Superior
Técnico (IST), analisou o impacto do PPERUCS no regime de ventos e no areal da
praia. Através de simulações feitas com base em modelos matemáticos, o
especialista concluiu que “o sentido do vento não se altera” devido à
construção e que nos 20 metros acima do nível do mar - ou seja, na zona
utilizada para o surf - “não há alteração da intensidade” do vento.
“As construções planeadas para Carcavelos-Sul não terão qualquer
impacte sobre a qualidade do surf na praia”, garante o especialista em física
da atmosfera e dos oceanos. Esta foi uma das dúvidas apresentadas durante a
discussão pública pela associação SOS - Salvem o Surf, que teme perder as
“ondas de qualidade mundial” que se formam na zona designada como Esquerda do
Calhau.
A SOS - Salvem o Surf lembra que a praia de Carcavelos, onde
operam 30 escolas de surf, é a que atrai mais praticantes da modalidade na Europa
- chega a ter mais de 500 surfistas em simultâneo. “Ficámos chocados quando
percebemos que os impactos da urbanização na praia não tinham sido sequer
considerados na avaliação de impacto ambiental”, diz o presidente da
associação, Pedro Bicudo. Este especialista em física, também investigador no
IST, considera que o vento offshore, que sopra da terra para o mar e cria os
“tubos perfeitos”, pode “mudar completamente” após a construção da urbanização.
Ainda assim, Bicudo admite que o problema pode não existir caso
se confirmem os modelos utilizados por Ramiro Neves, que ontem ainda não
conhecia. Mas sobram outros. “A câmara e a Alves Ribeiro ignoraram os impactos
do projecto na paisagem e na praia”, refere o surfista.
Para responder em parte a esta questão, o município acena com
outro estudo. Ramiro Neves analisou as implicações da urbanização no futuro do
areal da praia e concluiu que, devido à hidrodinâmica e à geologia da região, o
projecto não interfere nos sedimentos “nem condicionará a adaptação da praia
num cenário de alterações climáticas”.
Os sedimentos que se acumulam na Costa do Estoril são
provenientes no estuário do Tejo. “A ondulação na região não permite a
acumulação de sedimentos e não existem fontes de sedimentos em terra, pelo que
a única costa estável nessas regiões é uma costa rochosa”, explica Ramiro
Neves. É o caso da praia de Carcavelos. A confirmar-se a prevista subida do
nível do mar (até 2080 deve subir um metro, segundo as projecções feitas no
projecto SIAM - Alterações Climáticas em Portugal), os sedimentos retidos na
baía serão levados pelo mar e restarão as rochas - tal como já acontece hoje,
por exemplo, na vizinha praia das Avencas.
“Não digo que não há perigo de a praia desaparecer”, ressalva o investigador. No entanto, explica, o substrato rochoso da praia de Carcavelos não pode ser fonte de sedimentos, pelo que não há risco de a urbanização prevista para aquela zona interferir com o areal.
“Não digo que não há perigo de a praia desaparecer”, ressalva o investigador. No entanto, explica, o substrato rochoso da praia de Carcavelos não pode ser fonte de sedimentos, pelo que não há risco de a urbanização prevista para aquela zona interferir com o areal.
A resposta não convence Pedro Bicudo. “A partir do momento em
que se construa um estacionamento e torres de betão logo atrás da praia,
está-se a hipotecar uma ferramenta importante para manter o areal”, defende o
presidente da SOS - Salvem o Surf. Bicudo considera que a única forma de
“salvar” a praia de Carcavelos é fazer recuar a Avenida Marginal e o paredão
para o interior. Ao urbanizar aquela zona, essa hipótese cai por terra.
“Criar uma faixa de segurança sem edificações, com pelo menos
300 metros de distância em relação à praia, seria suficiente para a salvar”,
acrescenta. O projecto prevê a construção a cerca de 80 metros do areal.
“Gostávamos que a dinâmica da zona fosse bem estudada antes de se avançar com a
urbanização”, conclui.
Mesmo que seja aprovado pelo executivo municipal na próxima
segunda-feira, o PPERUCS terá de ser votado pela Assembleia Municipal, que já
chumbou o projecto em 2001 e onde o assunto ainda não reúne consenso entre os
partidos.
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