Wednesday, June 06, 2007

Cascais quer deixar de ser um deserto na arquitectura

In Público (6/6/2007)
Luís Filipe Sebastião

«Metade dos projectos da mostra integrada na Trienal de Arquitectura visam a recuperação de património

O comissário geral da Trienal de Arquitectura de Lisboa, José Mateus, não está com meias palavras quando afirma, peremptório, que durante décadas o concelho de Cascais "foi um deserto cultural no campo da arquitectura". O Núcleo Cascais XXI, ontem inaugurado junto aos Paços do Concelho, apresenta quatro dezenas de projectos que pretendem mudar o rumo arquitectónico do município.
A Trienal de Arquitectura de Lisboa escolheu como tema os Vazios Urbanos. A vila de Cascais acolhe um dos pólos do certame, com uma mostra de pouco mais de 40 projectos, de promoção pública e privada, concluídos ou em curso. Como salienta uma nota da autarquia, não basta projectar e construir para "fazer arquitectura", o que se alcança associando-lhe o conceito de qualidade. O diagnóstico da realidade concelhia não anda longe do cenário nos restantes subúrbios das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde a pressão imobiliária levou à massificação urbanística.
A ausência de qualidade arquitectónica, reconhecem os actuais responsáveis municipais, resulta da "desqualificação profissional de grande parte dos subscritores de projectos de arquitectura, pela especulação imobiliária e também pela incompetência das entidades promotoras e/ou licenciadoras". José Mateus identifica como causas para a dificuldade em encontrar em Cascais uma obra de relevo, até muito recentemente, "o conservadorismo imobilista, leituras retrógadas das tradições ou apenas mediocridade". O arquitecto mostra-se esperançado que o hábito dos concursos de arquitectura leve "ao virar de uma das páginas mais negras no concelho".
Para já, o comissário da trienal considera que "o Núcleo Cascais XXI reflecte uma nova visão informada do poder local, que não abdica da sua responsabilidade de participar numa cultura global". A autarquia tem procurado dar o exemplo ao promover concursos para reabilitação urbana, quer de imóveis degradados, quer de zonas desqualificadas. É o caso do conjunto de sete fortalezas marítimas abandonadas, que serão recuperadas e adaptadas para equipamentos turísticos e culturais. O próprio local escolhido para acolher a mostra, um antigo paiol do século XVIII, que se encontrava devoluto ao lado da câmara, depois de ter servido como aquartelamento de bombeiros, será convertido, até 2009, em centro de informação urbana, segundo projecto de Pedro Pacheco.
O novo é património
Fernando Martins, comissário da exposição com Paulo Fonseca, esclarece que a mostra possui duas componentes: uma sobre projectos de intervenção pública, com plantas e maquetas, e outra de obras privadas, de arquitectos conceituados, já construídas, exibidas em grande ecrã. "A câmara pretende fazer a pedagogia da contemporaneidade", admite o arquitecto, acrescentando que a arquitectura serve também de complemento ao edificado existente: "Quando se fez de novo, já é património."
Para o comissário da mostra, o aproveitamento do próprio imóvel onde decorre a exposição, demonstra como a arquitectura pode intervir, "ainda que de forma provisória", para a requalificação do património. Entre os projectos expostos figuram a reabilitação da Fortaleza de N. Sra. da Luz, de Cristina Guedes e Francisco Vieira Campos, com vista à sua musealização; as recém-inauguradas instalações do Clube Naval de Cascais, de André Caiado e António Santa-Rita, no paredão encostado à Cidadela; a recuperação do Museu da Música Portuguesa, por Teresa Duarte, na Casa Verdades de Faria, no Monte Estoril; o restauro do Forte do Guincho (SSPG Arquitectos/Pedro Guilherme e Sofia Salema), para cafetaria e espaço de divulgação do Parque Natural de Sintra-Cascais.
Projectos em debate
A adaptação da Casa Sommer para Arquivo Histórico Municipal, no centro histórico da vila, de Paula Santos, ou a recuperação do Forte e Farol de Santa Marta, de Francisco e Manuel Aires de Mateus, para instalar um museu dos faróis portugueses, são alguns dos projectos que serão abordados no ciclo de conferências que se realizam até 14 de Julho, no Centro Cultural de Cascais e de Congressos do Estoril. Neste ultimo espaço, sexta-feira, Souto Moura falará sobre o seu projecto da Casa das Histórias e dos Desenhos Paula Rego, cuja construção está já garantida pelo município para receber o acervo artístico e um espaço de trabalho da pintora que fixou residência em Inglaterra.
O futuro Museu do Vinho de Carcavelos, de Flávio Barbini, a desenvolver na Quinta do Barão, como contrapartida de um projecto hoteleiro e imobiliário aprovado pela autarquia, e a instalação da Escola de Música e sede da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, do gabinete ARX, no Chalet Madalena, no Monte Estoril, também vão ser debatidos no ciclo. Hoje à tarde, no âmbito da iniciativa Obra Aberta, pode ser visitado o Farol Museu de Santa Marta, a inaugurar em meados de Julho. A exposição Núcleo Cascais XXI, na Praça 5 de Outubro, está patente durante a tarde e à noite, até 31 de Julho.
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Isso é tudo muito bonito, mas ao alienígena do novo Estoril-Sol vamos ter que conviver com ele, se o juízo não voltar a quem de direito. Uma pena, como que a justificar o ditado "no melhor pano cai a nódoa".

5 comments:

Pedro said...

"O comissário geral da Trienal de Arquitectura de Lisboa, José Mateus, não está com meias palavras quando afirma, peremptório, que durante décadas o concelho de Cascais "foi um deserto cultural no campo da arquitectura".

...pois bem(!): quanto ao que os meus olhos podem ver, o meu caro, muito simpático e voluntarioso, colega José Mateus, está REDONDAMENTE ENGANADO! ...talvez o caríssimo José Mateus tenha caído na mesma tentação de um determinado sr. ministro, que precisa de enfatizar argumentos de "desertos" para levar o seu ao "seu" bom (aero)porto! É pena.

Cascais, de facto, não tem arquitectura "antiga" (emblemática e significativa), para lá da "popular" no centro da Vila... e nos poucos casos QUE TEM, não a soube manter e valorizar convenientemente (veja-se o exemplo gritante da Igreja da Misericórdia e sua envolvente).
Mas, na mancha urbana, aristocrática-privada, embora eclética, há alguns excelentes exemplos de vários estilos de arquitectura onde se inclui muito boa arquitectura do período moderno (seria exaustivo referir os BONS exemplos mas se pedirem com "jeitinho"...).
Para além destas zonas, na sua envolvente, já se sabe: ESCÂNDALO E DESASTRE TOTAL (tal como no resto do país), permitido de forma ignorante e conveniente, pela Câmara Municipal. Isto é: os seus dirigentes e zelosos técnicos.
Esperemos que o núcleo da Trienal em Cascais, possa trazer o José Mateus e outros arquitectos que se querem envolver na promoção do REAL VALOR DA ARQUITECTURA (e não apenas no valor de umas quantas, actuais, "assinaturas" sonantes), a passear por aqui para verem o que - parece - não viram.

Pedro said...

...quanto a "concursos", PÚBLICOS-PÚBLICOS não me "lembro" se foram!!! ...

Anonymous said...

(...) não foram com certeza, terão sido por convite - do mal o menos!

Os que foram públicos, forma mais mediáticos do que outra coisa, e por isso deram em muito pouco ou nada: no do Mercado, optou-se pela 'utopia' do revestimento das superfícies, ou pelo carácter apelativo das imagens virtuais -veja-se como a proposta vencedora ignorou o problema (fundamental) do estacionamento, contrariando até o que estava estipulado pelo Plano Estratégico encomendado à universidade(?) a propósito da reabilitação do centro histórico. E quanto ao concurso da cidadela, que teve direito a anúncio de página inteira no Público, as exigências 'leoninas' a começar por ter que ser concepção-construção-gestão-etc, etc levou a que existisse apenas uma proposta (!?) que, pragmaticamente, sugeria a revisão do... programa!

- eu sei, imagino que pode parecer exagerado, ou memso uma ficção mas, como esta por vezes até é ultrapassada pela... realidade, reafirmo (ao mesmo tempo que desafio que quem de direito faça o contraditório) tudo o que disse: acreditem, porque é mesmo verdade!

AB

Pedro said...

Subcrevo integralmente o comentário do AB acima.

Anonymous said...

(...) acerca do 'novo Estoril-Sol', sugiro a quem se dê a esse trabalho, de visitar a Trienal na Cordoaria, onde, e entre mil e um trabalhos, poderá encontrar a maqueta da polémica proposta (à esc. 1/1000), lado a lado com outra proposta (à esc. 1/500) do mesmo autor, para o 'novo Miramar', no Monte Estoril.

Também, e como curiosidade, poder-se-á ver quem é quem nas várias propostas pensadas para Lisboa, nomeadamente a tal visão especulativa, provisória e um tanto ou quanto disparatada ;) sim, aquela formalização tridimensional do 'Terminal de Cruzeiros' p/ a APL...

Ao fim de tantas propostas - que preenchem a Cordoaria e outros mais espaços! - somos levados a esta reflexão, que corrobora a questão de partida: c/ tanta produção projectual porque é que não se vêem mais e melhores resultados? onde é que afinal, as coisas falham?

AB