Ora, é precisamente isto que não fazemos. Uma parte significativa de nós desistiu de escolher. Pelo menos aquela parte que se abstém de cada vez que há eleições em Portugal, por exemplo. O que faz com que, um dia, sem saberem como, se espantem com o facto de o emplastro ser o primeiro-ministro cá do sítio! E aí já será tarde demais. É por isso que escolher é importante. Mas as nossas escolhas não terão qualquer efeito se não exigirmos. Ao fim e ao cabo, se não exercermos a nossa cidadania. No quotidiano. Exigir é preciso. Mas exigir com bom senso. Quer isto dizer que é um bom princípio preocuparmo-nos com a nossa rua. O caixote que falta. O parque que precisa de novos baloiços. O alcatrão que precisa de ser reparado. Etc. Porque são as pequenas coisas as mais significantes. São as pequenas coisas que realmente mudam o nosso mundo. Porque desistir só fará com que os reis e os valetes façam o seu jogo. Aliás, um jogo em que eles ganham. Só eles ganham.
Um exemplo simbólico de tudo isto é a desistência quase colectiva na luta contra o cimento. Curiosamente, dos esclarecimentos prestados pelo senhor Presidente da Câmara Municipal de Cascais ao movimento Cidadania Cascais (ver aqui), há algo que é transversal a tantos planos de pormenor, obras e projectos de obras. É o cimento. Mais cimento. Aliás, mais de 250 mil metros quadrados de cimento. Tudo em nome do progresso da vila de Cascais e do bem-estar e da qualidade de vida dos seus habitantes. É claro que se trata de uma falácia. Porque o primeiro critério e o primeiro fim é económico. Mais hotéis e mais comércio não trazem um nanómetro sequer de bem-estar e qualidade de vida a quem vive em Cascais. Aliás, para quem vive aqui, o cimento que se despejou nos últimos anos à nossa volta só trouxe um refluxo esofágico crónico de tanta má disposição. Apenas isso. As estradas continuam uma miséria como sempre estiveram. Continuo a pagar o IMI como sempre paguei. A luz de vez em quando falta. Às vezes detecto um cheiro a lixo vindo dos lados de Trajouce. O verde deixou de fazer parte da paisagem. Continuam a enganar-me enviando para casa folhetos anunciando os novos espaços verdes da freguesia mas que não passam de reles rotundas relvadas. As “vivendas” de dois andares passaram a ter quatro embora continuem a ter oficialmente dois. Etc.
O que tem isto a ver com a diversidade biológica? Nem imaginam o quanto! Porque a era do cimento é silenciosa. E poderosa. Só assim se compreende que uma fábrica de cimento esteja localizada em plena reserva natural, na serra da Arrábida, e ninguém ache isto estranho. Eu muito honestamente acho isto satírico. Uma piada de mau gosto, se quiserem. Uma fábrica de cimento num parque natural que tem uma fauna e uma flora excepcional, alguma exclusiva, só pode ser uma piada. E a cretinice é tanta que os senhores do cimento não se coíbem de por à entrada da fábrica um cartaz gigantesco a anunciar o número de árvores que já plantou, numa de “olhem só para nós, tão amigos da natureza e da diversidade biológica”. Por isso, vejam bem se foi realmente este o mundo em que escolheram viver. E se não foi, por favor, façam alguma coisa. Porque, às vezes, o importante é mesmo fazer.
*Até 2008! E boas entradas*
Imagem: (c) Alexandre Garcia, Fábrica de Cimento em Perus, 1930, daqui.
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