Friday, March 12, 2010

O passado nunca passa? Ai não que não passa.

Decorre até finais de Junho nos antigos Correios do Estoril, rebaptizados Espaço Memória dos Exílios, uma exposição de postais da colecção de José Santos Fernandes ilustrando a Cascais de antanho, intitulada «O Passado Nunca Passa» e organizada pela Câmara Municipal de Cascais. Acontece, porém, caros organizadores, que o passado passa e de que maneira.

Acontece, também, que ele vai passando graças à acção, tantas vezes indelével, das autarquias e dos seus responsáveis, sendo que aqui, pese embora esta iniciativa louvável, a “ajuda” da CMC foi inestimável ao longo de décadas. Não só dela (o défice de cidadania também ajudou) mas sobretudo dela.

Assim, paulatinamente, onde havia pinhal e verde passou a haver asfalto, moradias “à la” Beverly Hills e torres. Malveira, Abano, Areia, Birre, Guia, etc., etc. até à “fronteiriça” Carcavelos. Não houve terreno expectante que resistisse, nem casa antiga ou árvore que impedisse o “progresso”. Onde havia pictórico e provinciano passou a haver “oportunidade de negócio” e modernidade. Nem o próprio horizonte escapou. Exemplos não faltam e não é preciso Cerebrum (passe a publicidade) para recapitular alguns deles:

A bela baía de Sta. Marta, ofuscada por uma marina horrenda e desproporcionada. O C.C. Villa que matou o já de si moribundo comércio no centro da vila. A via-rápida que desemboca nos semáforos junto ao Mercado. A A5 que puxa mais carros para o Guincho. A fabulosa piscina do Estoril-Sol mais a “minha” sandwich club engolidas pelo novel mono alienígena junto ao Pq. Palmela. O Paredão corrido a pré-fabricados e pavimento ainda mais quebradiço que o rústico que lá estava. O toldo em lona que virou plastificado, “amigo do ambiente” e com direito a logo camarário. As magníficas bolas de Berlim da D. Rosa, expropriadas do usucapião de que gozavam na praia do Guincho, em prol das medíocres do concessionário respectivo.

Onde havia “ cachet” passou a haver “charme”. Piscatório e veraneio passaram a significar subúrbio e “resort”. E, pelos vistos, assim continuará a ser. Daí que o local onde decorre esta exposição não possa ser mais adequado do que é: “exílio” tem sido o destino da memória de quem conhece Cascais há 40 anos (e imagino as memórias mais antigas). Curioso é que ali ao lado, uns metros passeio acima, a CMC podia inverter o rumo das coisas e demonstrar, preto no branco, que quer resgatar a Memória desse exílio forçado.

Falo da Casa de São Francisco, desenhada pelo Arqº António Varela e vizinha do Espaço Memória dos Exílios. Um dos últimos edifícios modernistas de pé no concelho e que tem sobre si o camartelo sob a forma de “projecto de alterações e ampliação”. Bom seria que esta oportunidade fosse não de negócio mas de mudança e de “aviso à navegação”. Será?




In Jornal de Notícias

1 comment:

Carlos Portugal said...

Caro Paulo:

Subscrevo inteiramente este seu postal. Uma tristeza, o que acontece quando locais de Tradição e Qualidade, como os Estoris e Cascais, são tomados de assalto por novos bárbaros aculturados e impantes de dinheiro novo...
Se não os travarmos (e a CMC poderia fazer muito mais para isso), nada restará de belo ou de alto nível da que foi a «Côte d'Azur» atlântica...

Cumprimentos.