Thursday, July 15, 2010

Abençoado microclima

O dicionário não deixa margem para dúvidas: «Conjunto das condições de temperatura, de humidade e de vento peculiares a um espaço homogéneo de pequena extensão à superfície do solo». Convenhamos, portanto, que o termo microclima não se deve aplicar nem à imensidão de praia que se chama Guincho nem àquele troço de «Cornualha» que vai, não da península celta que dizem ter tido tudo que ver com Camelot, mas desde o impoluto Cabo da Roca (inclusive) à cada vez mais urbanizada e inversamente autêntica Ericeira (exclusive), passa pelas celebérrimas praias Grande e Maçãs (cadê as macieiras?), estuários de um Banzão infelizmente «démodé», pelas casas de mestre Arq. Lino (imagino quantos fantasmas não viverão por detrás daquelas austeras fachadas brancas com portadas em madeira colorida) no caminho para as “amalfitanas” Azenhas, não se olvidando nunca das agrestes Ursa, Aguda e Adraga, a tal onde Raul Proença imaginou um gigante adormecido fazendo de promontório rochoso (irra, nunca mais chega o ponto final) e onde o peixe grelhado é ora maior que o mar bravo (finalmente). Contudo aplica-se-lhes e aplicamos-lhes.

Quer num quer noutro caso, mas mormente no da melhor praia do mundo, o Guincho – e peço perdão a todas as outras, às nacionais e às estrangeiras, meridionais e tropicais, do hemisfério Norte ao congénere dos antípodas –; tem sido o seu microclima a garantia, ano após ano, década após década, de que aquela praia jamais será manchete por guerras entre «gangs». Nem mesmo no dia em que a auto-estrada esventrar o que resta esventrar do mato de Birre à Charneca. Será mais certo «o mar dar batatas e o céu em chamas se tornar» do que ver o areal daquela praia ser tomado de assalto por explosões de violência que não as dos deuses e titãs dos ventos, no caso Bóreas, o do Norte, ali omnipresente ele costuma ser, para grande revolta dos seus frequentadores obsessivos, maioritariamente masoquistas, lote em que me incluo, aliás.

Não interessa se fazem 40º à sombra dos toldos piramidais reciclados das praias da Linha, ou se não se mexe um grão que seja dessas areias importadas: os poucos km que vão da Guia ou da Malveira da Serra ao Guincho traduzem-se, geralmente, numa variação radical de vento e temperatura, capaz de fazer passar a cor hasteada de verde a vermelho no espaço de segundos. Por vezes o vento é tal que nem Lawrence o aguentaria, quanto mais uma geração «pitbull». Igual seguradora a humidade que vem do mar sob a forma de neblina e sobe a encosta da serra sem apelo nem agravo, fazendo suar o mais granítico dos penedos de Sintra. Não há mesmo bolsa que aguente, por mais nova-rica que seja, tanta despesa em tintas e telhas novas para as casas licenciadas (ou não) sobre as arribas. Benditos microclimas!




In Jornal de Notícias (15.7.2010)

3 comments:

francisco feijó delgado said...

E para acompanhar:
http://www.etudogentemorta.com/2010/07/a-melhor-praia-do-mundo/

Julio Amorim said...

Quem já viu esta, a mais bela das praias, sem ondas nem vento...viu o paraíso.
Mas abençoado vento...volta sempre !!!!

Anonymous said...

LOBO VILLA

É mesmo...a única coisa que protege a Paisagem costeira do microclima PNSC/CMC/Champas é o microclima... tb digo : vento volta sempre !!!(e impede mais aquele hotel comprido atrás do Guincho !!!)