Sunday, November 29, 2009

Com o mapa dos espiões e um plano arrojado tomou-se Cascais

In Público (29/11/2009)
Por Carlos Filipe


«Investigadora reforça tese sobre importância das fortificações de costa na invasão de Filipe II

A crise de 1580
Os segredos revelados pela planta encontrada em Madrid

De Peniche a Xabregas, em Lisboa, a costa portuguesa está densamente fortificada, com inúmeras construções militares, umas mais conhecidas que outras, classificadas ou parcialmente recuperadas, outras em declínio. São castelos, fortalezas, fortes, torres, muralhas ou vigias. Exceptuando a Torre de Belém, tida como um dos expoentes máximos da arquitectura bélica do plano de defesa da barra do Tejo, projectado à época de D. João II, e porta de acesso à cidade, é nos concelhos de Cascais e Oeiras que estas obras são ainda mais visíveis, quer em número, quer pela envergadura da edificação, abaluartadas ou não. Mas nem sempre foi assim.

Em Cascais e Madrid descobriram-se alguns novos indícios que ajudam a explicar como claudicou a defesa da costa e se abriu caminho à tomada de Lisboa, em 1580, pelas tropas espanholas. Com a ajuda de espiões, um mapa detalhado e preciso e um plano arrojado que ajudou a levar os reis espanhóis ao trono de Portugal.

É uma imagem desse mapa (ver fac simile), aparentemente sem paralelo nos registos históricos portugueses, que a historiadora e arqueóloga Margarida Magalhães Ramalho, que é co-autora da obra "As Fortificações Marítimas da Costa de Cascais" (Quetzal, 2001), foi descobrir no arquivo particular da Casa de Alba, em Madrid, do acervo histórico do Duque de Alba, que comandou o desembarque das tropas espanholas em Cascais e a posterior tomada de Lisboa, a mando de Filipe II (I de Portugal e da dinastia Filipina, 1580-1640).

Destacando que o achado, ainda que fruto de prolongada pesquisa nada de novo traz à história de Portugal, a historiadora realça, porém, a importância das informações nele contidas sobre a qualidade das fortificações portuguesas em Cascais, porta de acesso marítimo, tal como a Torre do Outão, em Setúbal, ao canal navegável até Lisboa. Em suma, nele são descritos os (poucos) fortes e pontos fracos de defesa da localidade e os aconselhados locais de desembarque. O resto já a história relata: como a forte armada portuguesa podia ter feito mais diante da invasora, e como o exército estava mal armado.

Coisas extraordinárias

Foi a partir do estudo, em 1986, da fortaleza de Nª Srª da Luz, contígua à Cidadela de Cascais, então ainda em trabalho académico, que a historiadora iniciou a procura de novos elementos arqueológicos que a levariam à descoberta de novos dados relativos à defesa da Costa de Cascais durante o período Filipino.

A estudiosa, que tem colaborado com a autarquia de Cascais, interessou-se pelos espaços escondidos, encobertos ou inacessíveis por montes de entulho que acabaram por ser removidos pela campanha de investigação arqueológica nos baluartes daquela fortaleza. "Foi então que começaram a aparecer coisas extraordinárias", sublinha, descrevendo que a partir daí intensificou o processo de pesquisas documentais que acabaram por conduzi-la a Espanha.

Obtida uma bolsa de estudos do Governo espanhol, pesquisou as obras do período Filipino e encontrou o caminho para novas descobertas. Em 2005, uma feliz coincidência levou-a a reparar numa foto da actual duquesa de Alba e decidiu questioná-la sobre se na casa ducal do seu antepassado haveria arquivos históricos particulares, e se entre o acervo haveria algo que referisse Cascais. "Qual não foi o meu espanto e felicidade quando me disseram que sim, e que, inclusivamente, havia uma planta de fortificações", contou.

Viu então que ali foi desenhado, com base nas notas de inúmeros espiões que Espanha colocara a soldo em Cascais, por volta de 1580, a muito detalhada costa local e as suas defesas. Preparava-se então a invasão e a tomada de Lisboa.

Aqueles espiões foram fundamentais para a operação, feita com grande destreza, a partir de Badajoz (por terra) e de Cádiz (por mar). A empresa marítima foi comandada pelo Marquês de Santa Cruz, sabendo de antemão quais as melhores fortificações portuguesas, e a primeira mais importante antes de Cascais era a de Setúbal, o baluarte do Outão, acabando por decidir desembarcar em Cascais. E foi um desembarque atrevido, que a historiadora descreve como, "tendo pontos de contacto com aquele que os aliados fizeram na Normandia, na II Grande Guerra: atrevido e inesperado, junto ao Cabo Raso, e até a espera por melhor tempo teve semelhanças". "Na verdade, não havia tantas e boas fortificações, e as tropas portuguesas estavam muito mal armadas para fazer frente ao melhor exército do mundo, que desembarcou simultaneamente 1500 homens ao longo da costa, a partir de Sanxete e até à Guia, de onde atacaram Cascais e a Fortaleza da Luz. Depois, em Alcântara, derrotaram as tropas de D. António, Prior do Crato, e tomaram Lisboa", explicou, em síntese.»

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