Saturday, September 04, 2010

No rápido do Cais do Sodré (2)

Deixada a Fundição de Oeiras, e o pesadelo de poder vir a ser transformada em várias torres para habitação, o viajante que saiu às 8h do Sodré dá por si a contemplar as belas árvores da mata que ainda subsiste (sabe-se lá até quando) na antiga Quinta dos Inglesinhos, paredes-meias com a NATO, Forte de São Julião da Barra, Marginal e a estapafúrdia (vanguardista?) estação de uma Carcavelos, seca para sempre do seu vinho, por mais marketing em contrário que por aí haja, e que nunca teve que ver com o clube Carcavelinhos, infelizmente. Paragem seguinte: Parede.

Não é muro nem muralha mas uma zona de bonitas moradias que se estende até à Marginal, e em que o ar cheira a iodo e é impossível não o querer inalar. Do comboio não se consegue avistar, por mais que se queira, a Casa da Pedra, muito menos as rochas espalmadas ou os ouriços traiçoeiros da pacata Praia das Avencas. Dá apenas para ver algumas casas “à antiga portuguesa”, inventadas, ou não, por Arq. Lino, pouco importa. Muitas (surpresa!) em bom estado. Outras noutros estilos e em estilo nenhum. Quase todas com jardim incólume, sem anexos por cima ou por baixo. É de facto uma zona habitacional consolidada. Que assim se mantenha, que vem aí a barbárie do lado direito, o betão e o asfalto da “aldeia A. Santo”, na Bafureira, e a escandalosa “reconstrução” do Chalé da Condessa, por quem não deve saber quem foi Fernando de Saxe-Coburgo, quanto mais Elise Ensler. Zás! Vire-se a cara para o mar. Azar, atenção, em vez do mar uma rotunda, uma gasolineira, o entulho nas traseiras da Colónia Balnear d’ O Século. «É favor fechar os olhos até S. Pedro», parece dizer o maquinista, via intercomunicador. Tarde demais.

O mar volta rumo a São João, à amalfitana Azarujinha e aos magníficos chalés e palacetes, os que restam, claro: vai da casa assombrada junto à Marginal, segue pelos fortes de Santo António (o da “mãe de todas as quedas”, e que devia abrir ao público), da Cadaveira e o Velho, agora discoteca. A Poça. De olhos para o mar, sempre, até que finalmente a recompensa pelas mazelas nos músculos do pescoço, quiçá numa cervical: o Estoril!

Da janela do lado direito o minimalista jardim do casino, as elegantes Arcadas, ansiando por outra oferta. Os Salesianos. Os espiões do Palácio e do Atlântico. O bucólico apeadeiro do Monte, esse refúgio revivalista cuja beleza resiste estoicamente à firma “Demolições, Construções e Loteamentos, Lda.”. Fileiras de vivendas nobres, do lado de cá e de lá do carril. Mas daqui até ao fim da linha só dá mar. Parece uma tela de Edward Hopper, até porque entrando em Cascais, a depressão está do lado direito: Miragem, novel Estoril-Sol, Jumbo, C.C. e, à saída da estação, um imenso “esqueleto” que é preciso demolir. «Rume ao Paredão, S.F.F!».



In Jornal de Notícias (3.9.2010)

1 comment:

Jorge Morais said...

Até que enfim que aparece alguém a referir o mal que se faz e o pouco que se preserva ao longo da Linha de Comboio de Cascais, sobretudo no que toca a Carcavelos e à Quinta dos Inglesinhos "Lobita".
Atenção Sr. Presidente da CMC, não perdia nada em ir dar uma volta no local, sem comitiva...que tal?