Monday, April 21, 2014
Cascais convida a subir aos faróis para conhecer séculos de história
Autarquia organiza visitas guiadas e
gratuitas aos faróis do concelho, alguns habitualmente encerrados ao público. O
PÚBLICO acompanhou uma dessas visitas, que começam no farol-museu de Santa
Marta.
Por Marisa Soares, Público de 19 Abril 2014
O farol-museu de Santa Marta | Foto de José Maria Ferreira
“Isso é uma farda?” A pergunta do pequeno Ricardo parece inocente,
mas tem água no bico. Quando o faroleiro Edgar Bentes lhe responde que sim, o
rapaz não perde tempo. “E a arma, está lá em cima?”, questiona, apontando para
a cúpula onde se encontra o aparelho óptico do farol da Guia. Na imaginação
deste menino de dez anos, o faroleiro teria que estar pronto para retaliar “se
os barcos atacassem”. Mas hoje as tarefas deste profissional são outras.
O
farol da Guia é um dos oito que apontam o rumo aos navegadores à entrada da
barra do Tejo. É um dos faróis mais antigos do país ainda em funcionamento,
construído em 1537, e fica situado no concelho de Cascais, entre o farol de
Santa Marta, construído em 1868, e o do Cabo Raso, de 1894. Uma vez por mês, a
câmara organiza visitas guiadas e gratuitas a estes monumentos. O PÚBLICO
acompanhou uma dessas visitas na quinta-feira passada.
O grupo – cerca de duas dezenas de turistas, metade deles
estrangeiros – ouve atento as explicações de Sandra Santos. É ela a responsável
pelo farol-museu de Santa Marta, o primeiro do género em Portugal, aberto desde
Julho de 2007 no quadro de uma parceria estabelecida entre a Câmara de Cascais
e a Marinha, proprietária do espaço. É aqui que começa a visita.
Nos edifícios de apoio, que até 1981 serviram de casa aos três
faroleiros responsáveis pela torre (até à automatização dos faróis),
encontram-se agora peças que contam a história de uma actividade com mais de
500 anos. Nas prateleiras há desde receptores de rádio a óculos de grande
alcance que serviam para detectar os barcos ao longe, e réplicas dos aparelhos
de luz que equiparam os faróis portugueses ao longo dos tempos: primeiro com
recurso a azeite, depois a petróleo, agora a electricidade.
“Cada farol tem um código de luz, é a sua assinatura”, explica
Sandra Santos. De Montedor (Viana do Castelo) a Vila Real de Santo António
(Faro), as luzes das três dezenas de faróis do continente (mais 16 nos Açores e
sete na Madeira) brilham numa cor e ritmo próprios, ora intermitentes, ora
giratórias. Na barra do Tejo, à noite, as luzes dos faróis desalinhados
“definem uma linha segura de navegação” para os navegadores.
Instalado no interior do forte com o mesmo nome, o farol de
Santa Marta ergue-se numa torre quadrangular forrada a azulejos, com faixas
horizontais azuis e brancas. Da base à cúpula vão 20 metros. É preciso subir 90
degraus para chegar ao topo, onde a vista descansa no azul do mar, de um lado,
e na paisagem urbana, do outro.
O farol tem estado aberto uma hora por dia, mas ainda este mês
devem começar obras de manutenção, o que obriga a encerrar o espaço. Depois da
intervenção, deverá manter-se aberto apenas no quarto sábado de cada mês,
durante a manhã – com excepção para grupos com marcação, que têm visita
garantida à torre. Mas o museu continuará aberto diariamente, com actividades para
grupos escolares, oficinas, jogos e peddy
paper aos
fins-de-semana.
Entre Junho e Setembro, o farol-museu de Santa Marta será também
o ponto de partida para a iniciativa "Faróis na Noite”, organizada pela
Câmara de Cascais, que inclui passeios nocturnos de barco para ver os faróis ao
longo da barra do Tejo em funcionamento. Os primeiros passeios estão agendados
para 13 e 27 de Junho, às 20h30, e demoram três horas. A participação é
gratuita.
Em terra, o percurso entre os três faróis é feito num autocarro
cedido pela autarquia. O farol da Guia é a segunda paragem. Fardado a rigor, de
calças e camisa azul-escuro com os símbolos da Marinha, Edgar Bentes recebe o
grupo antes de o convidar a subir os 110 degraus que conhece de cor. “Subo-os
pelo menos uma vez por semana”, explica. O pequeno Ricardo é o primeiro a subir
as escadas de ferro que dão acesso à cúpula. “Isto roda?”, pergunta. A resposta
é negativa. A lâmpada de halogéneo de 1000 Watts instalada no aparelho óptico,
com lentes reflectoras, está preparada para fornecer “um segundo de luz, um
segundo de ocultação”, num ritmo intermitente, responde o faroleiro.
Edgar Bentes é um dos cinco profissionais afectos à central de
Paço de Arcos, em Oeiras, onde fica a Direcção de Faróis, que é simultaneamente
o posto de comando de toda a rede nacional e o núcleo que controla os
assinalamentos de aproximação às barras do porto de Lisboa. Daqueles cinco
faroleiros, quatro garantem à distância a manutenção dos faróis da Guia, Santa
Marta, São Julião, Bugio, Gibalta e Esteiro. Fazem também visitas pontuais para
“manutenção, limpeza, pequenas obras e pinturas”, explica Edgar Bentes. "O
faroleiro transformou-se num mecânico, electricista, carpinteiro e
pintor", afirma.
Já era assim quando abraçou a profissão há 19 anos. Antes de
chegar a Oeiras, Edgar Bentes morou dois anos no farol do Cabo da Roca e quatro
no farol da ilha da Culatra, no Algarve. De quatro em quatro anos, os
faroleiros têm de mudar de posto, muitas vezes com a família. "Não é
fácil", admite este militar de 40 anos.
Na era do GPS, o tempo dos faróis estará a chegar ao fim? Bentes
diz que não. “A tecnologia pode falhar. Além disso, os pescadores que andam
junto à costa não têm GPS, e para a navegação costeira é importante ter os
faróis”, argumenta.
A última paragem da visita é no Cabo Raso. O farol fica para lá
dos portões do Forte de São Brás, normalmente fechados ao público, na estrada a
caminho do Guincho. Mas aqui não há torres altas em alvenaria. “Não houve verba
para isso”, explica Sandra Santos. O farol - o único da barra do Tejo ainda com
faroleiro residente - é uma torre vermelha cilíndrica de ferro, estreita, com
13 metros de altura, onde nem sequer se pode entrar. Mas há outro ponto de
interesse para os visitantes: a casa das máquinas, onde ainda estão os
geradores que faziam funcionar os compressores, que por sua vez enchiam de ar
os cilindros ligados à trompa instalada no telhado. “Era isto que fazia o sinal
sonoro”, explica Edgar Bentes. Hoje o farol não emite som, mas continua a
iluminar o cabo.
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1 comment:
Já agora, aproveitem os nossos farois para iluminar os caminhos da CMCC. (Câmara Municipal Carlos Carreiras)...
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