À reunião assistiram cerca de 200 pessoas, que acabaram por ter de abandonar a sala após alguns episódios de insultos e gritos de indignação. A PSP foi chamada a intervir.
Por Marisa Soares, Público de 28 Maio 2014
Houve gritos, insultos e até choro ao longo das quatro horas que
durou a reunião da Assembleia Municipal de Cascais. Nesta terça-feira à noite,
o polémico Plano de Pormenor do Espaço de Reestruturação Urbanística de
Carcavelos-Sul (PPERUCS), que prevê uma mega-urbanização para a Quinta dos
Ingleses, foi aprovado sob forte protesto de grande parte dos cerca de 200
munícipes presentes, obrigando mesmo a algumas interrupções e à intervenção da
polícia.
O
auditório do Centro Cultural de Cascais foi demasiado pequeno para tantas
pessoas, que se amontoaram onde conseguiram: desde as escadas ao chão, de pé ou
sentadas. Os apelos dos contestatários à presença em massa de cidadãos na
reunião parece ter sido ouvido, mas o pedido que fizeram aos deputados
municipais para que chumbassem o projecto caiu em saco roto. E nem a presidente
da Junta da União de Freguesias de Carcavelos e Parede, na qual os opositores
depositavam as últimas esperanças, respondeu como esperavam.
O PPERUCS foi aprovado, com 19 votos favoráveis da maioria
PSD/CDS-PP e 18 votos contra de toda a oposição – PS, CDU, BE e movimento
independente Ser Cascais.
O voto da presidente da junta de Carcavelos e Parede, Zilda
Costa da Silva, que é do partido da maioria, foi determinante para a aprovação.
Terminada a votação, o público manifestou-se com apupos e gritos. “Traidora”,
“bandidos”, “decepção” foram algumas das palavras usadas, dirigidas à autarca.
Perante isto, o presidente da Assembleia Municipal, António Pires de Lima,
ordenou a retirada das pessoas, motivando a intervenção da PSP. A reunião
continuou, apesar do protesto da oposição – os deputados da CDU e do BE
abandonaram a sala.
Numa declaração de voto que o público já não pôde ouvir, lida após
a hora marcada para o final da reunião (00h30), Zilda Costa da Silva argumentou
que votou a favor do plano porque seria “uma irresponsabilidade negar as
evidências” ou “considerar que não existem direitos do promotor” sobre a Quinta
dos Ingleses.
“O cargo de presidente de junta é eleito directamente pela
população, sendo livre de interpretar o mandato que lhe foi conferido pelos
eleitores como melhor lhe aprouver”, justificou, acrescentando que, enquanto
autarca, não está condicionada ao sentido de voto expresso pela assembleia de
freguesia, que em Abril aprovou uma moção contra o projecto.
Erros irreversíveis
Durante o período de intervenção do público, que antecedeu a votação, várias
pessoas manifestaram-se contra o PPERUCS pelos seus impactos no ambiente e na
qualidade de vida dos munícipes. Rita Neto, moradora em Carcavelos, apontou
falhas como a ausência do estudo do quarteirão exigido pela lei e o aumento da
impermeabilização do solo, com o consequente aumento do risco de cheias. “Os
erros que agora se cometerem dificilmente serão reversíveis e irão
repercutir-se nas gerações vindouras”, acrescentou Anamaria Azevedo, porta-voz
do Fórum por Carcavelos.
Mas houve também quem defendesse a urbanização, em nome do
colégio privado St. Julians (que é também promotor do projecto), instalado no
terreno da Quinta dos Ingleses, “um território sem lei”. E um representante do
Grupo Desportivo de Carcavelos manifestou-se a favor do projecto por este
prever a instalação da sede do grupo na urbanização.
Em resposta, os deputados da maioria PSD/CDS-PP admitiram que o
plano agora aprovado “não é o ideal, mas sim o possível”, repetindo a
argumentação já apresentada diversas vezes pelo presidente da câmara, Carlos
Carreiras. Elencando as “circunstâncias inultrapassáveis” que rodeiam o
processo, Fernando Lopes, do PSD, reiterou que o promotor do projecto, a
construtora Alves Ribeiro, tem direitos de construção adquiridos aquando da
assinatura da escritura em 1985, e que o chumbo desta versão do plano poderá
implicar o pagamento de uma indemnização à empresa, de quase 300 milhões de
euros, e a construção do projecto inicial.
“Nem nós nem ninguém com objectividade de análise acredita neste
cenário”, retorquiu o deputado Vasco Graça, do PS. Também a CDU acusou Carlos
Carreiras e o partido da maioria de se colocarem do lado da “especulação
imobiliária” e praticarem uma “política de faz de conta” , esquecendo o slogan
que utilizaram na campanha para as autárquicas de Outubro de 2013: “A Câmara de
Cascais elevada às pessoas”. No início da reunião, o BE apresentou um
requerimento para a realização de um referendo local sobre o assunto, que acabou
chumbado após o empate no número de votos, resolvido com o “voto de qualidade”
desfavorável do presidente da mesa.
Na sua intervenção, Carlos Carreiras garantiu que “o processo
não termina aqui” e que haverá “um cuidadoso acompanhamento” por parte da
autarquia, da Assembleia Municipal e dos próprios cidadãos, da elaboração do
plano de urbanização.
O PPERUCS, apresentado em Novembro pela Câmara de Cascais depois
de mais de 50 anos de avanços e recuos, prevê a construção de uma urbanização
com 906 fogos, sem condomínios privados. Inclui ainda um hotel de cinco pisos,
espaços comerciais e de serviços, e um ninho de empresas para estimular a
criação de emprego. Quase metade do terreno (40%) de 54 hectares está reservado
para parque urbano e espaços verdes, públicos e privados. A construção deverá
estender-se ao longo de 20 anos.
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