Monday, July 30, 2007

Pour Elise




Foi há sete anos, num dia de Inverno. Para a casa da Condessa d’Edla na Quinta da Bafureira começava o princípio do fim. A sua lenta agonia faria deste um dos mais chocantes crimes de lesa-património de que há memória em tempos recentes, mas não foi por falta de aviso que ele se consumou: sucessivas vezes, cidadãos e especialistas, entre os quais Raquel Henriques da Silva, José d’Encarnação e Vítor Serrão, alertaram a Câmara de Cascais para a importância daquela casa e para a urgência de lhe acudir. Em vão: entre a inoperância das instituições e as “justificações” dadas pelo novo proprietário e promotor da urbanização dos terrenos de que ela ruíra sozinha, vários anos se passaram sem que ninguém a salvasse: reduzida a dois terços num primeiro momento, acabaria, por fim, por ficar reduzida a uma parede.

Elise Hensler (1836-1929), segunda mulher de D. Fernando II, dedicara grande parte dos seus anos de viuvez a essa propriedade, reconstituindo nela, e da forma possível, os dias felizes que vivera na Pena. Em 1901, encomendava ao arquitecto veneziano Nicola Bigaglia o projecto da sua nova casa. Elise rapidamente a rodeou de um jardim e de árvores que ela própria plantou, incluindo os famosos cedros que, a partir daí, se disseminariam pelos Estoris. No mesmo lugar e rodeado de construção nova, está hoje um clone dessa casa, “seguindo a traça original” e, tanto quanto é possível ver do exterior, a obra estará já concluída.

Poderá sempre dizer-se que, sendo igual à anterior, tudo acabou em bem. Há, no entanto, um problema: é que Elise Hensler nunca viveu na casa que ali vemos hoje. E a questão não é de somenos importância à luz do entendimento que a cultura ocidental faz do seu património construído: ele é matéria e também o tempo que passa por ela. É essa a sua essência e a sua verdade. E o que se vê hoje na Quinta da Bafureira é que o promotor construiu o mais que pôde e, uma vez intimado a seguir a via da reposição, reconstruiu a casa da Condessa como quis. De origem, ali, apenas restam as cantarias ornamentais. Tudo o mais foi reposto com materiais dos dias de hoje, a começar pelas coberturas, agora de betão.

No local, encontra-se afixado um painel onde se pode ler “No comments”. Não sendo “No comments” nome de construtora nem de imobiliária, é-se levado a concluir que a expressão significa ali outra coisa que o seu autor tem evidente orgulho em exibir publicamente. De facto, o que se passou na Bafureira dispensa comentários, mas não pelas razões que quem afixou esse painel julga ter a seu favor.


Créditos da primeira imagem: Casa da Condessa d’Edla na Bafureira fotografada nos seus primeiros anos por Paulo Guedes (1886-1947); Arquivo Fotográfico da CML

4 comments:

Anonymous said...

(...) ça c'est très romantique!

oui, c'est vrais ils(!?) ont la folie ;)

AB

Pedro said...
This comment has been removed by the author.
Pedro said...

...sobre esta "coisa" (a nova) que com um orgulho ignorante e sem-vergonha, o promotor agora ostenta, a Maria Amorim Morais disse tudo: "No comments"... mas, exactamente no sentido contrário ao esperado pelo promotor.

Angustia-me a sensação de que esta visão da MAM (que partilho integralmente) seja impossível de explicar, nos tempos de mediocridade civilizacional que vivemos.

Anonymous said...

Caro PP
O problema é que enquanto uns se angustiam, o promotor/predador não perde tempo a definir outro alvo.

Não tarda está aí de novo.

E assim reiniciará um novo ciclo de angústia e lucro. Desconfio até que quanto maior a angústia maior o lucro.

As angústias têm pergaminhos a defender e, no minimo, obrigam a choros/lucros cada vez mais violentos. E assim se perspectiva nova demolição. Desta vez está na calha o edificio do Cruzeiro.
O promotor/predador já lá anda, devidamente municiado com a prosápia dos consultores imobiliários e a espingarda automática dos fundos de investimento fechado(!!). Fareja a debilidade fisica do edificio, a inedequação para novas funções, o desajuste urbano. Dali nada se aproveita, nem a memória.
Foi assim na Praça de Touros, no Estoril-Sol, no passeio D.Maria, no fosso da Cidadela, no Atlântico, no edificio de apoio à piscina do Tamariz, todo forradinho a chapa...

E a Câmara?

A câmara aqui funciona apenas como entidade que gere o território de caça. No problem. Podem caçar à vontade desde que paguem a licença de uso e porte de arma.
Não se pode construir o homem novo? Nem ao menos reabilitar o velho? Então que se construa um Cascais moderno, cool e desmemoriado.

Não sei porquê já sinto no ar o cheiro da pólvora.

Nova corrida. Nova viagem.

Ainda não foi desta que saltei para fora da banda larga. Será que estou a ficar com o vicio de blogar?

PS(salvo seja)
Como posso enviar fotos a acompanhar os textos?

JB