Saturday, March 08, 2008

Monsalvat




Pelas circunstâncias do seu percurso e talvez mais do que qualquer outro concelho da Grande Lisboa, Cascais teve o privilégio de ficar associado a rostos - aos rostos de quantos o escolheram como lugar de vilegiatura ou de exílio, deixando marcas da sua passagem nas casas onde viveram. Marca intimista vincada ainda mais pelo facto de a arquitectura civil da transição de Oitocentos para Novecentos ter sido, talvez como nenhuma outra o conseguiu ser, um rosto, e um espelho, do proprietário e dos seus gostos.

Monsalvat, que Raul Lino projectou ainda muito jovem, em 1901, para o pianista e compositor Alexandre Rey Colaço - pai da actriz Amélia Rey Colaço e seu amigo desde a adolescência -, é uma dessas casas. Erguida em terrenos da Duquesa de Palmela, no Monte Estoril, foi o seu primeiro projecto construído e também o primeiro do seu ciclo de “casas marroquinas”. Uma casa de Verão e de fim-de-semana, pensada para a prática da música, e cuja história se cruza, pela mão da família Colaço, com inúmeros outros grandes vultos da vida cultural portuguesa do seu tempo.

Portugal tem uma má relação com as casas de quantos fizeram algo de relevante pelo seu país, não importa em que domínio, sendo já longo o rol das que foram descartadas por motivos fúteis. Cascais, que contrariando essa tendência tem feito alguma coisa por algumas dessas casas, tem o dever de fazer bastante mais. Desde logo porque são elas – e os seus jardins, quase sempre o elo mais fraco da cadeia – e não a arquitectura standardizada dos dias de hoje, que lhe conferem a sua marca distintiva. E para o fazer, basta que as proteja. A todas, sejam elas ilustres ou não, porque nenhuma casa deste período é tão “anónima” assim.


Créditos imagem: Casa Monsalvat na actualidade, in Raul Lino, ed. Blau, Architect Portfolio Séries, 2003; em 1905, Colecção Rey Colaço, Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivo Fotográfico; Alexandre Rey Colaço, com a sua filha, Amélia Rey Colaço, em 1909, na sua casa do Monte Estoril, Colecção Rey Colaço, Arquivo Municipal de Lisboa/Arquivo Fotográfico.

1 comment:

Anonymous said...

Para Maria Amorim Morais:
Entendo, aprecio e respeito as sua "estampas" históricas de Cascais.Estariam bem melhor num "Requiem" do que neste vivo e interventivo Blogg. Justifico:
A Liniana casa de Montsalvat,é interessante,em si,mas que é feito da envolvente?(Quantos "prédios" judo-capuchianos envolvem hoje a casa?).Aonde está o principal, a paisagem urbana envolvente? É sempre assim,Maria.
O que interessa é sempre o conjunto,e não apenas a casa isolada.Porque interessa o Monterose,o Miramar ou o Estoril-Sol?.Apenas pela escala,pelo volume da sua envolvente.Pela sua Paisagem.Como está hoje a Montsalvat?...


10-3-08 António Lobo de Villa