Monday, April 21, 2008
Câmara de Cascais e moradores à procura dos romanos em São João do Estoril
In Público (21/4/2008)
Clara Viana
«Terá a Quinta da Carreira um passado mais remoto do que aquele que geralmente se lhe atribui? Moradores e autarquia vão investigar se ali as coisas não são apenas aquilo que parecem
Aceitando o desafio de um morador, a Câmara de Cascais vai patrocinar uma viagem ao passado da Quinta da Carreira, em São João do Estoril, de modo a investigar "mais profundamente a história da ocupação humana" do local, confirmou o director do departamento de Cultura da autarquia, António Carvalho. Para o antigo presidente da associação de moradores, investigador em ecologia da paisagem, José Casquilho, subsistirão poucas dúvidas de que há por ali um passado romano.
Na sequência de uma troca de e-mails sobre o caso com o presidente da câmara, António Capucho, o autarca, acompanhado pela vereadora da Cultura e por António Carvalho, deslocou-se, no último domingo de Março, à urbanização onde se insere a Escola Secundária de São João Estoril, e da qual é vizinho. Na sequência da visita, a câmara decidiu constituir um grupo de trabalho para, com os moradores, investigar o caso.
Não está excluída a realização de sondagens arqueológicas ou de prospecções geofísicas. Estas são feitas com recurso a geo-radar e permitem geralmente apurar se existem ou não construções no subsolo. António Carvalho, que é também historiador, recorda que na bibliografia arqueológica não constam referências a qualquer vestígio, no lugar, "com cronologia atribuída à época romana". A serem descobertos ali, ficaria também alterada a tendência fixada pelos levantamentos já realizados no concelho: ao contrário do que é comum nos dias de hoje, nas terras de Cascais os romanos prefeririam as do interior, alegadamente com melhores terrenos agrícolas, às que se encontram mais perto do mar, como é o caso da Quinta da Carreira. Que, no entanto, séculos depois, seriam ricas em cereais e vinho.
Batalha pela memória
Para a arqueóloga Ana Arruda, que esta semana visitará o lugar, poderá existir outra explicação para a localização do passado romano no interior do concelho: "Desde o século XIX, a costa foi alvo de urbanização sistemática, o que poderá ter destruído os vestígios." Foi por um triz que os terrenos da Quinta da Carreira ainda estão livres de construção. Como foram poupados a esse destino, é ainda possível passear pelo chamado "caminho das oliveiras", um percurso ladeado por estas árvores que Casquilho pensa ser o que sobra da "carreira" que poderá ter dado nome à quinta.
Do que viu em fotografias, Ana Arruda diz que "não existe nada indiscutivelmente romano". "Mas só vendo no local", adverte a arqueóloga, que sublinha: "O topónimo [latino] Carreira, que quer dizer caminho, estrada, não pode perder-se de vista e poderá remontar a uma ocupação antiga, quase seguramente anterior à construção da quinta e possivelmente romana."
Para José Casquilho, a emergência deste eventual passado mais remoto começou a tomar forma no final do ano passado, quando outro morador referiu que o aparelho da ribeira de Bicesse, que atravessa a urbanização, "seria romano". "Embora haja sem dúvidas replicações posteriores, é possível que existam elementos do aparelho original, e o modelo é romano", refere, apontando a primeira de várias analogias que foi encontrando com outras estruturas no país datadas dos primeiros séculos depois de Cristo.
Seja o que for que vier ainda a ser descoberto, para Ana Arruda esta é uma incursão que está ganha à partida: "O que sem dúvida existe é o que resta de um património rural muito interessante que se relaciona com a antiga quinta, uma exploração agrícola que deverá datar do século XVII, que merece ser investigado, recuperado e valorizado." É uma batalha pela memória que não se esgota na Quinta da Carreira. "O que agora se designa por património rural e agrário tem que obrigatoriamente constar nos planos directores municipais e não pode deixar de ser valorizado, quer em termos históricos, quer no que se refere à sua conservação", defende a arqueóloga.
a Se as coisas tivessem decorrido segundo o que foi decidido pelo anterior presidente da câmara, José Luís Judas, no dia a seguir à sua derrota nas autárquicas de Dezembro de 2001, na Quinta da Carreira já não subsistiriam os poucos testemunhos que dão conta do seu importante passado agrícola. Em vez de um grande tanque de rega e do velho dragoeiro que lhe está adjacente, existiram agora mais quatro prédios de sete pisos, num total de dez mil metros quadrados de construção. Deveriam seguir-se mais 40 mil nos terrenos que são atravessados pela "carreira" que talvez tenha dado o nome ao lugar. Na sequência da contestação dos moradores, o alvará para a construção dos primeiros quatro prédios, o único que chegou a ser emitido, foi suspenso (entretanto caducou), no princípio de 2002, pelo actual presidente, António Capucho, quando as máquinas já tinham entrado em acção.
Foi também uma vitória do dragoeiro: a árvore está classificada como sendo de interesse público, nada podendo ser feito nas suas imediações sem parecer favorável da administração central, um preceito que foi ignorado por Judas, o que tornou a sua decisão ilegal. Para a Quinta da Carreira está a ser elaborado um plano de pormenor no qual, por via de negociações entre a autarquia e os moradores, se passou dos 50 mil m2 de construção para cerca de 19 mil. O plano contempla também a existência de um ecoparque com cerca de 3,5 hectares, o que permitirá a preservação do pinhal manso, das oliveiras e da vegetação existentes, mas também dos vestígios do passado humano do sítio. C.V.»
Clara Viana
«Terá a Quinta da Carreira um passado mais remoto do que aquele que geralmente se lhe atribui? Moradores e autarquia vão investigar se ali as coisas não são apenas aquilo que parecem
Aceitando o desafio de um morador, a Câmara de Cascais vai patrocinar uma viagem ao passado da Quinta da Carreira, em São João do Estoril, de modo a investigar "mais profundamente a história da ocupação humana" do local, confirmou o director do departamento de Cultura da autarquia, António Carvalho. Para o antigo presidente da associação de moradores, investigador em ecologia da paisagem, José Casquilho, subsistirão poucas dúvidas de que há por ali um passado romano.
Na sequência de uma troca de e-mails sobre o caso com o presidente da câmara, António Capucho, o autarca, acompanhado pela vereadora da Cultura e por António Carvalho, deslocou-se, no último domingo de Março, à urbanização onde se insere a Escola Secundária de São João Estoril, e da qual é vizinho. Na sequência da visita, a câmara decidiu constituir um grupo de trabalho para, com os moradores, investigar o caso.
Não está excluída a realização de sondagens arqueológicas ou de prospecções geofísicas. Estas são feitas com recurso a geo-radar e permitem geralmente apurar se existem ou não construções no subsolo. António Carvalho, que é também historiador, recorda que na bibliografia arqueológica não constam referências a qualquer vestígio, no lugar, "com cronologia atribuída à época romana". A serem descobertos ali, ficaria também alterada a tendência fixada pelos levantamentos já realizados no concelho: ao contrário do que é comum nos dias de hoje, nas terras de Cascais os romanos prefeririam as do interior, alegadamente com melhores terrenos agrícolas, às que se encontram mais perto do mar, como é o caso da Quinta da Carreira. Que, no entanto, séculos depois, seriam ricas em cereais e vinho.
Batalha pela memória
Para a arqueóloga Ana Arruda, que esta semana visitará o lugar, poderá existir outra explicação para a localização do passado romano no interior do concelho: "Desde o século XIX, a costa foi alvo de urbanização sistemática, o que poderá ter destruído os vestígios." Foi por um triz que os terrenos da Quinta da Carreira ainda estão livres de construção. Como foram poupados a esse destino, é ainda possível passear pelo chamado "caminho das oliveiras", um percurso ladeado por estas árvores que Casquilho pensa ser o que sobra da "carreira" que poderá ter dado nome à quinta.
Do que viu em fotografias, Ana Arruda diz que "não existe nada indiscutivelmente romano". "Mas só vendo no local", adverte a arqueóloga, que sublinha: "O topónimo [latino] Carreira, que quer dizer caminho, estrada, não pode perder-se de vista e poderá remontar a uma ocupação antiga, quase seguramente anterior à construção da quinta e possivelmente romana."
Para José Casquilho, a emergência deste eventual passado mais remoto começou a tomar forma no final do ano passado, quando outro morador referiu que o aparelho da ribeira de Bicesse, que atravessa a urbanização, "seria romano". "Embora haja sem dúvidas replicações posteriores, é possível que existam elementos do aparelho original, e o modelo é romano", refere, apontando a primeira de várias analogias que foi encontrando com outras estruturas no país datadas dos primeiros séculos depois de Cristo.
Seja o que for que vier ainda a ser descoberto, para Ana Arruda esta é uma incursão que está ganha à partida: "O que sem dúvida existe é o que resta de um património rural muito interessante que se relaciona com a antiga quinta, uma exploração agrícola que deverá datar do século XVII, que merece ser investigado, recuperado e valorizado." É uma batalha pela memória que não se esgota na Quinta da Carreira. "O que agora se designa por património rural e agrário tem que obrigatoriamente constar nos planos directores municipais e não pode deixar de ser valorizado, quer em termos históricos, quer no que se refere à sua conservação", defende a arqueóloga.
a Se as coisas tivessem decorrido segundo o que foi decidido pelo anterior presidente da câmara, José Luís Judas, no dia a seguir à sua derrota nas autárquicas de Dezembro de 2001, na Quinta da Carreira já não subsistiriam os poucos testemunhos que dão conta do seu importante passado agrícola. Em vez de um grande tanque de rega e do velho dragoeiro que lhe está adjacente, existiram agora mais quatro prédios de sete pisos, num total de dez mil metros quadrados de construção. Deveriam seguir-se mais 40 mil nos terrenos que são atravessados pela "carreira" que talvez tenha dado o nome ao lugar. Na sequência da contestação dos moradores, o alvará para a construção dos primeiros quatro prédios, o único que chegou a ser emitido, foi suspenso (entretanto caducou), no princípio de 2002, pelo actual presidente, António Capucho, quando as máquinas já tinham entrado em acção.
Foi também uma vitória do dragoeiro: a árvore está classificada como sendo de interesse público, nada podendo ser feito nas suas imediações sem parecer favorável da administração central, um preceito que foi ignorado por Judas, o que tornou a sua decisão ilegal. Para a Quinta da Carreira está a ser elaborado um plano de pormenor no qual, por via de negociações entre a autarquia e os moradores, se passou dos 50 mil m2 de construção para cerca de 19 mil. O plano contempla também a existência de um ecoparque com cerca de 3,5 hectares, o que permitirá a preservação do pinhal manso, das oliveiras e da vegetação existentes, mas também dos vestígios do passado humano do sítio. C.V.»
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1 comment:
O título está errado, diz:
"Câmara de Cascais e moradores á procura dos romanos..." .
Devia ler-se:
"Câmara de Cascais assume a negligência e vai atrás dos moradores á procura dos romanos..."
Francamente,será preciso um acordo ortográfico...?
24-4-08 Lobo Villa
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