Friday, November 30, 2007

Vinho de Carcavelos recusa-se a deixar as mesas

In Notícias da Manhã (30/11/2007)
José Sena Goulão/Lusa(fotos)

«Passados três séculos sobre o início da produção do «ex-libris» de Carcavelos e cem anos sobre a demarcação da sua região, os números do confirmam a tendência declarada pela Comissão Vitivinícola local, que aponta para uma diminuição de produção de 86,2 por cento entre os períodos de 1933/37 e 2000/04.
Caseiro desde 1988 da Quinta da Ribeira de Caparide, propriedade do Patriarcado de Lisboa, António Gomes fala do seu “néctar dos deuses”, com 19 a 22 por cento de álcool, obtido através das videiras que cultiva no local, no Mosteiro de Santa Maria do Mar e nas quintas privadas da Samarra e dos Pesos. “Às vezes até se faz uma mistura - de uma vem o aroma, de outra o sabor, de outra o grau [de álcool]. Quanto maior a graduação das uvas menos aguardente leva, mas é um ingrediente obrigatório e escolhido pelo Instituto da Vinha e do Vinho”, contou à Lusa durante a poda da vinha da Quinta da Ribeira. Para António Gomes, 54 anos, é “quase impossível” não se render ao primeiro copo de Carcavelos e a célebre deixa de Fernando Pessoa “primeiro estranha-se, depois entranha-se” jamais poderia ser aplicada ao gosto adocicado - “menos enjoativo do que um Porto” - do vinho que produz a partir dos dez hectares de vinhas que pertencem à região vitivinícola de Bucelas, Carcavelos e Colares.

Natal e reis de Espanha
“Nem todos os anos se faz o Vinho de Carcavelos, porque tem de envelhecer na madeira cerca de três, quatro anos e seria uma despesa muito grande estar sempre a envasilhar. Retomou-se a produção em 1989 e depois em 1993 (6000 litros), vinho que ainda estou a vender. Só quando despachar essa é que começo a vender a colheita já engarrafada de 1995 (5000 litros) e a pensar na de 2004 (4400 litros), que está a envelhecer nos pipos”, explicou. António Gomes garante não poder fabricar mais vinho, já que o consumo é cada vez menor e suportado apenas por alguns restaurantes, empresas e autarquias, que aproveitam a redução do preço da garrafa de 17,50 para 14 euros no caso de comprarem mais de trinta unidades. “O negócio está mau, a venda é muito difícil. Não percebo como pode haver marcas que conseguem manter preços muito baixos - ou são de fraca qualidade ou misturados com vinhos de outros países, porque com máquinas, impostos alfandegários, material de engarrafamento e o nosso tempo e trabalho, eu não consigo, sinceramente”, lamenta.
O que vale é que há “pessoas que apreciam muito: a Câmara compra grandes quantidades no Natal, há um senhor de Torres Novas que costuma vir cá buscar para revenda e até os reis de Espanha, que têm uma casa no Monte Estoril, compram sempre que vêm cá”, refere.

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António Capucho quer incentivar o cultivo
A expectativa é partilhada pelo presidente do executivo camarário, António Capucho, que prevê inaugurar o Museu da Vinha e do Vinho de Carcavelos dentro de um ano e meio a dois anos, dado que o Plano de Pormenor do projecto deve ser aprovado no início de 2008, mas a obra tem ainda de ir a concurso. “Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para manter e incentivar o cultivo. Só não posso é obrigar os proprietários a fazer o mesmo, mas grande parte dos terrenos é reserva agrícola e os privados têm descendentes”, afirmou o autarca, quando questionado sobre a possibilidade de as quintas privadas virem a tornar-se áreas de urbanização. António Gomes mostra-se confiante nas intenções de António Capucho, mas confessa temer a destruição das vinhas caso o executivo mude, lembrando que estas têm o que é necessário para fazer um “belo vinho” - castas de qualidade, solo de barro e exposição a uma aragem marítima sul/norte. Para já, resta-lhe sonhar com um futuro mais brilhante: “Se eu ganhasse o Euromilhões, era um tal comprar quintas e pô-las a render”.

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Parcerias negadas a grandes superfícies
Enquanto responsável no terreno da firma Seminagro, derivada do Patriarcado, António Gomes já rejeitou propostas de parcerias com grandes superfícies, por exigirem “demasiados” investimentos, e acredita que o melhor impulso para o negócio é a aposta das Câmaras de Cascais e Oeiras - onde existe uma pequena unidade de produção na Estação Agronómica Nacional - numa maior divulgação. Por isso, considera que a exposição «A Vinha e o Vinho em Carcavelos», patente no Centro Cultural de Cascais até 31 de Dezembro, e o projecto para o futuro Museu da Vinha e do Vinho de Carcavelos, na antiga Adega da Quinta do Barão, são já um sinal de que a actividade pode crescer. »

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