Foi há sete anos, num dia de Inverno. Para a casa da Condessa d’Edla na Quinta da Bafureira começava o princípio do fim. A sua lenta agonia faria deste um dos mais chocantes crimes de lesa-património de que há memória em tempos recentes, mas não foi por falta de aviso que ele se consumou: sucessivas vezes, cidadãos e especialistas, entre os quais Raquel Henriques da Silva, José d’Encarnação e Vítor Serrão, alertaram a Câmara de Cascais para a importância daquela casa e para a urgência de lhe acudir. Em vão: entre a inoperância das instituições e as “justificações” dadas pelo novo proprietário e promotor da urbanização dos terrenos de que ela ruíra sozinha, vários anos se passaram sem que ninguém a salvasse: reduzida a dois terços num primeiro momento, acabaria, por fim, por ficar reduzida a uma parede.
Elise Hensler (1836-1929), segunda mulher de D. Fernando II, dedicara grande parte dos seus anos de viuvez a essa propriedade, reconstituindo nela, e da forma possível, os dias felizes que vivera na Pena. Em 1901, encomendava ao arquitecto veneziano Nicola Bigaglia o projecto da sua nova casa. Elise rapidamente a rodeou de um jardim e de árvores que ela própria plantou, incluindo os famosos cedros que, a partir daí, se disseminariam pelos Estoris. No mesmo lugar e rodeado de construção nova, está hoje um clone dessa casa, “seguindo a traça original” e, tanto quanto é possível ver do exterior, a obra estará já concluída.
Poderá sempre dizer-se que, sendo igual à anterior, tudo acabou em bem. Há, no entanto, um problema: é que Elise Hensler nunca viveu na casa que ali vemos hoje. E a questão não é de somenos importância à luz do entendimento que a cultura ocidental faz do seu património construído: ele é matéria e também o tempo que passa por ela. É essa a sua essência e a sua verdade. E o que se vê hoje na Quinta da Bafureira é que o promotor construiu o mais que pôde e, uma vez intimado a seguir a via da reposição, reconstruiu a casa da Condessa como quis. De origem, ali, apenas restam as cantarias ornamentais. Tudo o mais foi reposto com materiais dos dias de hoje, a começar pelas coberturas, agora de betão.
No local, encontra-se afixado um painel onde se pode ler “No comments”. Não sendo “No comments” nome de construtora nem de imobiliária, é-se levado a concluir que a expressão significa ali outra coisa que o seu autor tem evidente orgulho em exibir publicamente. De facto, o que se passou na Bafureira dispensa comentários, mas não pelas razões que quem afixou esse painel julga ter a seu favor.
Créditos da primeira imagem: Casa da Condessa d’Edla na Bafureira fotografada nos seus primeiros anos por Paulo Guedes (1886-1947); Arquivo Fotográfico da CML